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(Fonte: Wikipedia) |
Mariana Salvatti Mescolotto*
O Recurso
Extraordinário (RE 693456/RJ) em Mandado de Segurança, recentemente julgado
pelo Supremo Tribunal Federal, versava sobre a possibilidade de descontos dos
dias parados na greve de servidores públicos civis.
Dias
Toffoli discorreu em seu voto sobre a especificidade da greve no serviço
público.
No
entanto, importante saber que a greve referida deu-se de março a maio de 2006 pelos trabalhadores da Fundação de
Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro, que foram surpreendidos com
os descontos dos dias parados após o término da greve, tendo alguns servidores
a folha de pagamento zerada.
O direito
à greve é uma garantia constitucional prevista no art. 9º, sendo que, nos Mandados
de Injunção n. 670, 708 e 712, julgados pelo STF em 2007, estendeu-se a aplicação da Lei de Greve (Lei n. 7.783/89) dos
trabalhadores da iniciativa privada aos servidores públicos civis, tendo em
vista que o art. 37, VII, da CF, que prevê limites ao exercício do direito de
greve na Administração Pública, carece de regulação.
A
continuidade do serviço público, o “bem comum”, a suspensão do contrato de trabalho
e as jurisprudências favoráveis do Tribunal Superior do Trabalho (TST) são os
principais argumentos utilizados para reconhecer a legalidade dos descontos dos
dias parados, sob pena de “enriquecimento
sem causa” dos trabalhadores.
Apesar de
a continuidade do serviço público ser um valor importante, queda-se o
legislador ordinário inerte na atividade legiferante de regular a greve no
serviço público e a Lei de Greve, aplicada, atualmente, as greves dos
servidores públicos civis impõe a manutenção dos serviços e atividades
essenciais.
Certamente,
as greves causam uma série de transtornos aos serviços e às pessoas que dele se
utilizam. Contudo, o direito de greve é assegurado, sendo, portanto, um bem
jurídico a ser tutelado. Vale dizer que o bem comum são os valores, princípios
e direitos previstos na Constituição Federal. Caso contrário, bem comum será
aquele que melhor convier à dada pessoa ou momento.
Imperioso
rememorar que a Constituição garante a proteção aos salários (art. 7º, X), que
não há lei que restrinja o direito de greve pelos servidores públicos civis e
que a decisão do STF de estender a aplicação da Lei de Greve aos servidores
públicos civis é posterior ao Mandado de Segurança ajuizado pelos servidores da
referida fundação, ou seja, sequer tinham como prever que o referido desconto
poderia estar amparado na Lei de Greve dos trabalhadores da iniciativa privada,
a mesma Lei que ampara a jurisprudência do TST.
Oxalá pudessem
os trabalhadores enriquecer com seus proventos! A tese de que o trabalhador
enriqueceria ilicitamente se não houvesse descontos é um tanto surreal, porque
não há enriquecimento da classe assalariada, tendo o salário caráter alimentar
e, portanto, de subsistência para os trabalhadores. Em razão deste caráter, a
legislação brasileira há muito garante a impenhorabilidade dos vencimentos.
Ademais,
não seria a greve uma causa necessária aos trabalhadores? Não há na decisão
qualquer justificativa no sentido da abusividade ou ilegalidade da greve, que
pudesse justificar a maneira com que os descontos foram efetuados,
comprometendo a totalidade da renda dos trabalhadores que aderiram à greve.
No
presente caso, os descontos foram efetuados após o término da greve, mesmo
tendo os trabalhadores acordo de compensação dos dias parados (anos letivos),
como uma espécie de represália e com o comprometimento total dos rendimentos
dos servidores em alguns casos, extravasando os limites máximos para qualquer
desconto permitido sobre os salários e em afronta a dignidade humana à medida
que comprometeu a subsistência destes trabalhadores. Tais descontos foram
efetuados sem qualquer permissivo legal ou determinação judicial, como
destacado pelo parecer emanado pela Promotora de Justiça Alessandra Tavares
Lethier Rangel:
(...) o
servidor que se encontra em greve não está cometendo "falta ao
serviço", mas exercendo um direito constitucional que lhe é assegurado
decorrente da relação de trabalho. Assim, não há como a Administração pública
efetuar cortes nos vencimentos dos servidores em decorrência de paralisação por
movimento grevista, salvo se antes declarada a abusividade do movimento
grevista pela Justiça.
Mister
salientar que a administração pública está adstrita ao Princípio da Legalidade
não podendo, sem norma autorizativa e diante do direito constitucional
assegurado ao trabalhador (direito ao salário e direito de greve), suspender os
vencimentos dos servidores.
Entretanto,
a partir desta decisão do STF, a administração pública não só pode, como deve
proceder o desconto dos dias parados durante a greve, como se pode verificar da
decisão:
A administração pública deve proceder ao desconto
dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos
servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela
decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo,
incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do
Poder Público.
A decisão
despreza o exercício regular do direito de greve, de uso comum por melhores
salários e condições de trabalho comprometendo a subsistência dos trabalhadores,
o que, certamente, inviabiliza o exercício de um direito social garantido pela
Constituição à classe que depende dos salários para sobreviver.
Argumenta-se
também na decisão do STF que a estabilidade pesa a favor do servidor que “não
pode ser demitido após a greve”. A rigor, nenhum trabalhador, mesmo na
iniciativa privada, pode ser demitido por se envolver em movimento grevista,
apesar de não se ter a garantia do emprego, comprovada que a dispensa foi
discriminatória pelo exercício do direito de greve pelo trabalhador, é possível
ao trabalhador obter uma indenização, sendo a conduta considerada prática
anti-sindical.
Ao
contrário do entendimento consagrado na decisão, o exercício de um direito
social constitucional não infringe o bem comum. É a garantia do seu exercício
um bem jurídico a ser tutelado, bem como, a dignidade da pessoa humana (art.
1º, III, CF), a valorização do trabalho (art. 170 CF) e dos profissionais da
educação (arts. 60, parágrafo 3º, ADCT e 206, VI, CF ), a proteção do salário
(7º, X, CF) e a legalidade (art. 37, CF).
* Advogada, especialista em Direito Material e Processual do Trabalho
e assessora jurídica da Federação dos Trabalhadores no Comércio no Estado de
Santa Catarina e do Sindicato dos Trabalhadores em Centros de Formação de
Condutores no Estado de Santa Catarina.
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